Tribos da Terra no Apocalipse

A especulação profética é algo desenfreado e sem limites. Muitos livros que falam sobre o fim dos tempos estão cada vez mais inundando o mercado editorial evangélico. Os temas giram em torno se os EUA e a Rússia fazem parte da profecia bíblica, Anticristo Islâmico, luas de sangue, terremotos, eclipses, furacões e guerras. Muito provavelmente, o principal tema sobre o fim dos tempos diz respeito a Israel. Fomos ensinados que devemos estar com o olhar atento sobre Israel. É verdade que o assunto do livro do Apocalipse é praticamente todo voltado sobre Israel.

Uma vez que praticamente quase tudo no Apocalipse é centralizado sobre Israel, o que poderá deixar o leitor surpreso é saber que quando o Apocalipse trata a respeito dessa nação, não é sobre o moderno de Israel.

Venho estudando e escrevendo sobre o tema da profecia bíblica, mais especificamente o Preterismo e o Pós-milenismo, durante muitos anos. O que vou dizer nas linhas a seguir é uma última tentativa de colocar o livro de Apocalipse em sua real perspectiva histórica.

Uma pequena palavra muda tudo

O livro do Apocalipse é certamente um dos livros mais complexos e controversos da Bíblia. É um fantástico livro de visões que fala sobre a destruição da terra. Desde cedo, devido à influência cultural que recebi, sempre acreditei que o assunto do livro do Apocalipse era sobre o fim do mundo físico, e isto estava em nosso futuro. Mas, muito tempo depois, descobri que o tema do livro do Apocalipse não era sobre o fim do mundo físico. Fiquei mais surpreso ainda em saber que era sobre o fim da Antiga Aliança e seus rituais e o Templo. A destruição da terra, portanto, não é uma referência ao Planeta Terra, mas a terra de Israel.

Podemos provar isso analisando uma pequenina palavra, isto é, a palavra “terra”. Esta palavra aparece muito no livro do Apocalipse, e os leitores modernos tendem a pensar que essa palavra trata do Planeta Terra.

Veja, a seguir, alguns exemplos do uso da palavra "terra" no livro do Apocalipse:

• Os quatro cavaleiros do apocalipse "tiram a paz da terra" (Apocalipse 6:4) e matam "a quarta parte da terra" (Apocalipse 6: 8).

• As sete trombetas são tocadas sobre "os que habitam na terra" (Apocalipse 8:13).

• As sete taças da ira de Deus são "derramadas sobre a terra" (Apocalipse 16:1).

• O sangue dos mártires é vingado sobre aqueles "que habitam na terra" (Apocalipse 6:10).

• As Duas Testemunhas fere a terra com toda a sorte de pragas (Apocalipse 11:6).

• Vindimou as uvas da vinha da terra (Apocalipse 14:18-19).

• A grande babilônia, é a mãe das prostituições e abominações da terra (Apocalipse 17:5) e culpada do sangue de "todos os que foram mortos na terra" (Apocalipse 18:24).

O grande problema é que quando vemos a palavra terra nas passagens acima, damos rapidamente o significado de globo terrestre, conforme nossa mentalidade científica moderna. Logos pensamos nas imagens da NASA. Para os judeus antigos que escreveram e leram o Apocalipse, a palavra terra tinha outro significado. A palavra traduzida por "terra" no grego do Novo Testamento é gē, e seu equivalente no hebraico é eretz. Esta palavra tem vários significados diferentes que dependem do contexto. Em Gênesis 1:1 temos “terra” como a criação de Deus. Frequentemente a palavra “terra” significa países ou regiões individuais.

Para os antigos israelitas, a palavra "terra" muitas vezes representava "a terra de Israel". No hebraico e no grego a maioria dos contextos em que se usa a palavra "terra" é uma referência à terra de Israel. Sobre isto, o Dr. Kenneth Gentry, Jr. escreveu:

“Este uso particularmente abundante de gē é significativo na medida em que a terra prometida a Israel era central para a aliança de Deus com ela (Gênesis 12:1-7; Êxodo 3:7-18 ; 6:2-8 ). A Terra era um dos três objetos que dominava sua devoção: a Terra, Jerusalém e o templo. Como [o Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento] (1:522) diz: "a terra em que Israel viveu forma um dos principais focos teológicos e étnicos da fé de Israel e das escrituras do Velho Testamento". Quando Deus estabeleceu Israel como uma nação, seus documentos fundadores elevaram a Terra a primeira dessas grandes esperanças: "Em termos do Hexateuco, provavelmente não há ideia mais importante do que a expressada em termos da terra prometida e depois concedida por Yahweh". Na verdade, "o motivo da Terra Prometida é um padrão maior no Pentateuco e no livro de Josué" (DBI 665), que registra os fundamentos históricos de Israel como povo, sociedade e nação. A Terra também era "de importância central para a escrita de todos os profetas " (AB 4:149). De fato, "a proeminência da Terra de Israel na Bíblia é o resultado de uma profunda convicção religiosa, permeando toda a literatura judaica sagrada".

Como poderemos saber que o uso da palavra "terra" é uma referência a Israel na maior parte do Apocalipse? Sobre “terra” significando Israel, em particular, precisamos dar uma olhada quando João explica um dos principais propósitos do julgamento predito em Apocalipse:

"Eis que ele vem com as nuvens, e todo o olho o verá, mesmo aqueles que o traspassaram, e todas as tribos da terra lamentarão por causa dele". (Apocalipse 1:7)

O Planeta Terra não é dividido em tribos, mas em nações. É importante assumir que as "tribos da terra" são uma referência para todos que vivem na terra de Israel. A prova disso, na verdade, é que João está citando uma profecia do Antigo Testamento tirada do livro do profeta Zacarias. Portanto, as “tribos da terra” no Apocalipse não são as tribos do Planeta Terra, mas as doze tribos da terra de Israel:

"E derramarei sobre a casa de Davi e sobre os habitantes de Jerusalém espírito de graça e súplicas de misericórdia, para que, quando me olhem, sobre aquele a quem perpassaram, eles lamentarão por ele, como lutas para um único filho, e chora amargamente sobre ele, como se chora sobre um primogênito... A terra deve lutar, cada família por si só: a família da casa de Davi... e todas as famílias que ficaram...".
(Zacarias 12:10-14)

O Novo Testamento mostra claramente que a geração dos judeus do primeiro século foi culpada de crucificar Jesus, o Messias:

"Homens de Israel, ouçam estas palavras: Jesus de Nazaré, um homem atestado por Deus ... este Jesus, entregue de acordo com o plano definido e a presciência de Deus, vocês crucificaram e mataram pelas mãos de homens sem lei".
(Atos 2:22 -23)

É verdade que os romanos participaram da crucificação de Cristo (Atos 4:27-28). Por outro lado, a perspectiva que mais pesa é a de Deus, pois os judeus rejeitaram o Filho de Deus, seu próprio Messias, o Filho de Davi e, portanto, seu pecado foi muito maior. Pelo fato de carregarem tamanha culpa, Jesus garantiu que a cidade de Jerusalém e o templo seriam destruídos como resultado do julgamento de rejeitarem o Filho de Deus (Mateus 23:37-24:1; 21:33-46). Sobre aquela geração de judeus do primeiro século caiu "todo o sangue justo dos profetas derramados na terra" (Mateus 23:35-36), pois cometeram o crime mais hediondo da história ao matarem seu próprio Messias, o Filho de Deus.

Uma tradução que contextualiza bem Apocalipse 1:7, seria assim:

"Eis que vem com as nuvens, e todo o olho o verá, até os mesmos que o traspassaram; e todas as tribos da terra [de Israel] se lamentarão sobre ele. Sim. Amém".

Não havia necessidade alguma de João acrescentar a frase "de Israel" depois da frase "tribos da terra", pois os seus primeiros leitores simplesmnete sabiam do que ele estava falando, ao contrário de muitos leitores modernos que não foram instruídos na questão. Uma vez que entendemos que a passagem principal e orientadora no Apocalipse não é sobre o Planeta Terra, mas sobre a terra de Israel, podemos acreditar que os julgamentos são localizados sobre Israel, e não sobre o mundo inteiro.

É muito relevante o fato de que uma pequenina palavra muda tudo. Sem dúvida, uma interpretação do Apocalipse tendo como foco o "fim do mundo", trará dificuldades na interpretação, pois o cenário do Apocalipse está radicalmente em desacordo com um fim do mundo global. É necessário que a profecia do livro de Apocalipse seja vista através das lentes de quem viveu no primeiro século da era cristã, se colocando no lugar daqueles primeiros cristãos judeus e gentios, cidadãos do mundo romano.

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* César Francisco Raymundo é editor da Revista Cristã Última Chamada. Saiba mais sobre o autor clicando aqui