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Dois Sermões
de Páscoa
Por
N. T. Wright
________
...Se eu fosse um apostador, apostaria um bom dinheiro em duas mensagens que certamente serão ouvidas nesta Páscoa (e em todas as outras).*
...O pregador da primeira mensagem é o pastor Frank Evangelista. Ele acredita piamente na ressurreição corpórea de Jesus, no sepulcro vazio, em anjos e em tudo o que é sobrenatural. Todos os anos, durante a Páscoa, ele denuncia os liberais perversos, principalmente o reverendo Linguassolta, por sua má vontade em reconhecer que a Bíblia é verdadeira, que Deus realmente faz milagres, e que — como demonstram esses dois pontos — Jesus realmente ressuscitou. O pastor Evangelista costuma usar alguns truques para provar que testemunhas oculares podem contar histórias estranhas e ainda estar falando a verdade: observe-o aniquilar um narciso no púlpito. Ele talvez cite um hino antigo que diz: “Tu me perguntas como eu sei que ele vive? Ele vive em meu coração!”. Sim, Jesus ressuscitou dentre os mortos e, portanto, está vivo, e nós podemos conhecê-lo.
...Quando chegamos ao “e então?”, o pastor é igualmente
enfático. Realmente há vida após a
morte! Jesus foi preparar um lugar para nós no céu!
A salvação nos aguarda em um glorioso mundo
de delícias, distante deste mundo em que vivemos.
Somos, afinal, “cidadãos do céu”,
como diz Paulo, de modo que, quando nossa vida nesse mundo
cruel chegar ao fim, nossas almas serão arrebatadas
para estar ali para sempre. Estaremos junto de nossos queridos
(não seria bom ouvir algo diferente, em vez desse
velho clichê?) e viveremos na nova Jerusalém. “Só mais
um pouco, e eu chegarei ao céu, ó Cordeiro
de Deus.” “Então depositaremos nossas
coroas diante de ti, e nos prostraremos em adoração
e louvor.”
...Infelizmente o pastor Evangelista confunde um pouco as
coisas. Muito do que ele diz é verdade, mas boa
parte não corresponde ao que as histórias
da Páscoa desejam comunicar.
...Longe dali, animado pelo
champanhe na reitoria após
a vigília da Páscoa (por que não quebrar
o jejum da Quaresma com estilo, mesmo que seu jejum tenha
sido esporádico?), o pastor Linguassolta está a
pleno vapor. Evidentemente, sabemos que o aspecto rudimentar
e exterior da história da Páscoa não é o
que os autores tinham em mente. A ciência moderna
tem demonstrado que milagres não acontecem, e mortos
não ressuscitam. Seja como for, que tipo de Deus
interromperia o curso da história apenas uma vez,
para resgatar uma única pessoa, e não faria
nada para impedir o Holocausto? Crer em algo tão óbvio,
tão evidente, tão pouco espiritual, como
o sepulcro vazio e a ressurreição corpórea, é ofensivo
a qualquer pessoa com uma percepção mais
apurada. Particularmente, isso pode indicar (como seu bom
amigo, pastor Evangelista, sem dúvida imaginaria,
graças ao seu fundamentalismo) a superioridade do
cristianismo sobre todas as outras crenças, considerando
que sabemos que Deus é radicalmente inclusivo e
que todas as religiões, todas as crenças,
todas as visões de mundo, podem ser caminhos que
levam a Deus.
...Assim... tudo indica que as histórias sobre o sepulcro vazio surgiram muito tempo depois. O erudito pastor quer deixar muito claro que essas histórias são a re-mitificação do drama escatológico primário, que pegou os discípulos em um momento de empatia sociomórfica, e possivelmente sociopática, culminando com o anúncio apocalíptico da visão beatífica. Bem, parece que a congregação não está conseguindo entender direito o que ele está dizendo... Mas, como eles também haviam encerrado o jejum da Quaresma com estilo...
...Em se tratando do “por quê?”, o reverendo
Linguassolta é enfático. Agora que nos livramos
de todo esse absurdo sobrenatural, o caminho está livre
para a “verdadeira ressurreição”.
Essa acaba sendo uma maneira nova de explicar o projeto
humano, de romper velhos tabus (ele tem em mente a ética
sexual tradicional, mas esse é um assunto muito
delicado para o momento), e de descobrir um novo estilo
de vida: uma abordagem mais acolhedora, mais “inclusiva”.
A “pedra” do legalismo foi retirada e o “corpo
ressuscitado”, a verdadeira centelha da vida e de
identidade escondida dentro de cada um de nós, pode
finalmente sair. Essa nova vida deve agora atingir todos
os nossos relacionamentos. Todas as nossas políticas
sociais.
...A ressurreição não mais deve ser vista
como um evento único, imaginado por mentes pré-modernas
e sustentado com insistência por conservadores retrógrados,
mas como um evento contínuo, capaz de promover a
libertação dos seres humanos e do mundo.
O pastor Linguassolta parece, por fim, ter encontrado algo,
mas não sabe bem o que é, nem se serve para
alguma coisa.
...O que o pastor Evangelista não percebe é que as histórias sobre a ressurreição registradas nos evangelhos não falam de ir para o céu depois de morrer. Na verdade, não há quase nada sobre “ir para o céu quando morrer” em todo o Novo Testamento. Ser “cidadão do céu” (Fp 3.20) não significa que nós vamos terminar lá. Muitos filipenses eram cidadãos romanos, mas Roma não os queria de volta quando se aposentavam. A função deles era levar a cultura romana à cidade de Filipos.
...Esse é o argumento que os quatro evangelhos defendem, cada um a seu próprio modo. Jesus ressuscitou; portanto, o novo mundo de Deus já começou. Jesus ressuscitou; portanto, Israel e o mundo foram redimidos. Jesus ressuscitou; portanto, seus seguidores têm uma nova tarefa a cumprir.
...E que tarefa é essa? Trazer o estilo de vida do céu para a realidade atual, física e terrena. É isso que o pastor Evangelista nunca pôde imaginar (embora sua pregação produza acidentalmente, e quase sempre, esse resultado). A ressurreição corpórea de Jesus é mais que uma prova de que Deus realiza milagres ou de que a Bíblia é verdadeira. É mais do que conhecer Jesus em nossa própria experiência (isso é verdade em relação ao Pentecostes, não à Páscoa). Ela é muito, mas muito mais que a certeza do céu após a morte (Paulo fala de “partir e estar com Cristo”, mas ele enfatiza principalmente a volta em um corpo ressuscitado, para vivermos na nova criação de Deus). A ressurreição de Jesus é o começo do novo projeto de Deus, não de arrebatar pessoas da terra para levá-las ao céu, mas de colonizar a terra com o estilo de vida do céu. É sobre isso que o Pai-Nosso está falando.
...É por isso que a argumentação final do reverendo Linguassolta tem uma ponta de verdade, embora todas as suas recusas anteriores o impeçam de ver por que ela é verdadeira ou qual é a sua forma apropriada. A ressurreição é, sem dúvida, o fundamento para uma nova maneira de viver no mundo e para o mundo. No entanto, para obter um resultado social, político e cultural, precisamos da ressurreição corpórea, não de um evento meramente “espiritual” que poderia ter acontecido a Jesus ou talvez apenas aos discípulos. Sua insistência em se referir à “ciência moderna” (não que ele tenha lido alguma coisa sobre física recentemente) é pura retórica iluminista. Não precisamos nem de Galileu, nem de Einstein para nos dizer que os mortos não voltam à vida.
...Quando Paulo escreveu seu magnífico capítulo sobre a ressurreição em 1 Coríntios 15, ele não terminou dizendo: “Bem, vamos então celebrar o grandioso futuro que nos aguarda”. Ele concluiu dizendo: “Sede firmes, inabaláveis, e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão” (v. 58). Quando a ressurreição final acontecer, como o ponto principal da nova criação de Deus, descobriremos que tudo que foi feito no mundo presente por meio do poder da ressurreição de Jesus será celebrado, incluído, e adequadamente transformado.
...Quando o pastor confuso
tenta fazer com que a Páscoa
signifique “libertação da coerção
moral” e “descoberta da verdadeira centelha
dentro de cada um de nós”, ele está forçando
o verdadeiro cristianismo, obrigando-o a fazer truques
como um leão de circo, transformando-o assim em
outra forma de gnosticismo. A Páscoa fala da nova
criação, de uma nova, imensa e impressionante
dádiva de graça transformadora, e não
da descoberta de que esse velho mundo tem sido mal compreendido
e precisa apenas de permissão para ser ele mesmo.
...Romanos 6, 1 Coríntios 6 e Colossenses 3 se mantêm
firmes nesse ponto.
...Bem, quantos de vocês já ouviram algum desses sermões?
...Muito bem, podem recolher as apostas... Quanto eu ganhei?
...E quantos ouviram um sermão que reflita sobre as
palavras de Paulo em Romanos 8, ou sobre os capítulos
finais dos evangelhos, ou sobre o que João escreveu
em Apocalipse 21 e 22, a saber, que a Páscoa é o
começo da nova criação de Deus em
um mundo surpreendido, e aponta para a renovação,
a redenção e o renascimento de toda a criação?
E agora, quantos já ouviram a mensagem de que todo
ato de amor, toda ação feita em Cristo e
por meio do Espírito, toda obra de verdadeira criatividade — todas
as vezes que a justiça é feita, a paz é conquistada,
famílias são curadas, a tentação é vencida,
e a verdadeira liberdade é requerida e conquistada?
Que esse evento terreno toma lugar na longa história
de atos que implementam a ressurreição de
Jesus e antecipam a nova criação final, e
atuam como sinalizadores de esperança, apontando
da primeira para a segunda?
Foi o que eu pensei...
* Retirado do livro Surpreendido
pela Esperança
de
...N. T. Wright - Editora Ultimato
Site: www.ultimato.com.br
Acessado dia 05/04/2015
_____________________________
Mais Informações:
...Saiba
tudo sobre Arrebatamento, Escatologia, Armagedom, Profecia
Bíblica, Fim dos Tempos, Últimos Dias e
a Volta de Jesus acessando o site da Revista
Cristã Última Chamada.
...Site: www.revistacrista.org